A primeira pessoa a tentar percorrer todo o Caminho

Esta reportagem foi originalmente publicada por Aghata Parede para a Tribuna de Petrópolis, em 04 de abril de 2024

Há pouco mais de um ano, Julieta Santamaria, 25 anos, viaja pelo Brasil em busca de superação. Decidida a explorar o Caminho da Mata Atlântica, a argentina traçou como objetivo atravessar 132 municípios, 5 estados e duas macrorregiões, totalizando 4.500 km de caminhada.

A trilha possui seu extremo norte no Parque Estadual do Desengano, na Cachoeira do Mocotó, em Campos dos Goytacazes (RJ), e seu extremo sul no Parque Nacional de Aparados da Serra, no Cânion do Itaimbezinho, em Cambará do Sul (RS). Atualmente, já são mais de 900 km sinalizados e o objetivo é consolidar a trilha como um grande corredor florestal por toda a Serra do Mar e parte da Serra Geral.

“Soube do Caminho da Mata Atlântica em novembro e fiquei muito animada, senti algo que nunca senti. Alguma vez me disseram que não é você quem chama a trilha, é a trilha quem chama você, e realmente é algo em que eu acredito, porque tudo foi se encaminhando para isso”, explica.

Ao longo de sua caminhada, Julieta Santamaria já passou por diversas localidades, desde Madalena, seu ponto de partida, Trajano de Moraes, Maria Mendonça, Sana, Lumiar, Salinas (Três Pico), Canoas, Teresópolis e Petrópolis, onde chegou no dia 02 de abril  de 2024. A argentina ainda vai seguir viagem por locais como Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde concluirá seu desafio.

Questionada sobre o trajeto que mais chamou sua atenção até o momento, ela destaca a travessia Teresópolis/Petrópolis: “Foi o lugar que mais me encantou. Fiquei três dias “perdida na montanha”. Foi a primeira travessia de vários dias, e também é considerada a trilha mais bonita do Brasil. Nesses dias entendi o porquê, é realmente incrível… Não sei descrever”, conta.

Preparar-se para percorrer o Caminho da Mata Atlântica não foi tarefa fácil. Julieta passou meses modificando hábitos alimentares e realizando treinos. Nos primeiros meses fez trilhas extenuantes de ida e volta de 30 km; corridas matinais; caminhadas com mochila; enfrentou chuva, vento e calor; abandonou o álcool em prol de uma alimentação mais saudável, e encarou um dos seus maiores desafios: manter a mente tranquila independente das dificuldades.

“Por vezes, a tentação de desistir ou a sensação de sede intensa sob o sol dificultam a concentração, mas o corpo resiste um pouco mais quando afastamos esses pensamentos e mantemos uma atitude positiva. Às vezes, um banho quente ou uma refeição reconfortante são meu foco, assim como cantar enquanto sigo adiante. No caminho, a distância a percorrer sempre parece menor do que antes, o que me renova a energia. Quando faltam apenas 5 km, começo a correr um pouco e já me sinto mais animada para chegar ao próximo destino, seja qual for. Não estou nesse jornada sozinha; as pessoas envolvidas no CMA me apoiam, indicando contatos para a próxima trilha, sugerindo locais para pernoitar. A maioria deles são parceiros do Caminho. É incrível como todos eles me recebem, isso me enche de gratidão”, conta.

A importância socioambiental do Caminho da Mata Atlântica não passa despercebida por Julieta. Ela observa a diferença entre trechos de mata preservada e áreas de pasto ou estrada, destacando a importância da conservação das florestas: “Quem é leigo como eu já percebe a diferença na temperatura, na qualidade do ar e na disponibilidade de água entre esses trechos. Então já dá praver a importância das florestas preservadas. Além disso, quem dorme nas propriedades parceiras do CMA, como eu estou fazendo, também percebe que esses lugares são mais sustentáveis do que outras hospedagens. Acho que o Caminho da Mata Atlântica também incentiva essas ações nas áreas por onde passa e as pessoas que estão ali conseguem aprender sobre como ser mais sustentável”, ressalta.

Um desses parceiros é o Auá Hostel, localizado no Vale do Bonfim, em Petrópolis. Pedro Zeno, guia de ecoturismo, cientista social e fundador da operadora Mais Trilhas RJ, explica um dos principais compromissos com o espaço: “A intengração da natureza e cultura permite a criação de mecanismos pedagógicos para que as pessoas compreendam melhor os processos naturais e sociais do território em que se encontram. Nossa missão é aumentar o consumo de visitantes, então o Caminho da Mata Atlântica pode beneficiar dessa forma, tanto economicamente quanto oferecendo aos caminhantes uma experiência mais autêntica. É importante entender que a natureza não é apenas composta por elementos naturais, mas também por pessoas que cuidam, manejam e conhecem essas paisagens. A natureza, quando é contada a partir de histórias de quem a conhece, seja através do conhecimento científico ou tradicional, enriquece essa visitação.”

Chico Schnoor, coordenador geral do Caminho da Mata Atlântica, também enfatiza o papel fundamental desta iniciativa na conservação e regeneração da Mata Atlântica: “Além de ser um potencial de geração de renda e fomento ao turismo regional, nacional e internacional, essa iniciativa também abrange ao longo da mesma a restauração de ecossistemas, o fortalecimento de Unidades de Conservação e de comunidades tradicionais e base para pesquisas sobre a resiliência da Mata Atlântica frente às mudanças climáticas.”

Os resultados da iniciativa até o momento são significativas: mais de 900 km de trilhas já foram sinalizadas, com 108 parceiros cadastrados no site do Caminho da Mata Atlântica, abrangendo guias, pousadas, campings, serviços de transferência, entre outros. O engajamento comunitário também é notável, com 4.393 voluntários inscritos. Além disso, foram fortalecidos três roteiros de Agroecoturismo e três roteiros de TBC (Turismo de Base Comunitária). A restauração ambiental cobre uma área de 500 hectares, enquanto o monitoramente da biodiversidade, através de 99 câmeras intaladas, proporciona a proposição de áreas prioritárias para corredores florestais, baseada nos dados coletadas e na análise de pesquisadores associados.

A trilha em Petrópolis

No município de Petrópolis, dois ramais do Caminho da Mata Atlântica já estão estabelecidos. O ramal principal, concebido em 2012, com aproximadamente 34 km, atravessa o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, percorrendo trechos como a Trilha Uricanal, Cobiçado-Ventania, Pico dos Vândalos e descendo a Serra Velha em direção a Magé pelo Caminho do Ouro. Além disso, a Coordenação de Biodiversidade do Caminho da Mata Atlântica identificou, recentemente, a necessidade de um novo ramal para tornar o corredor funcional na Serra do Mar, ligando o Parque Estadual do Cunhambebe ao Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Este ramal, com um traçado preliminar de cerca de 40 km, passando por Itaipava, Araras e Videiras, ainda não está sinalizado. Porém, este ano, com o apoio do WWF Brasil, estão programadas cinco oficinas no município, com o objetivo de divulgar a iniciativa localmente, definir de forma participativa o traçado e proceder com a sinalização, além de fortalecer os roteiros de agroecologia no Vale do Bonfim associados ao Caminho da Mata Atlântica.

Atualmente, o Caminho conta com cinco parceiros em Petrópolis, um viveiro de mudas, dois guias de turismo, um hostel e uma ONG voltada a ações de educação ambiental. “O fortalecimento da cadeia produtiva do turismo é a peça-chave para termos um impacto positivo no local e assim mostrar que é possível regenerar a Mata Atlântica enquando se gera riqueza para a comunidade local”, destaca Chico Schnoor. Segundo ele, a ideia é iniciar os trabalhos de mobilização social e planejamento do traçado de biodiversidade a partir de maio.

Para Julieta Santamaria, as belezas e os desafios encontrados no Caminho da Mata Atlântica são uma metáfora para a vida. “Qualquer sonho nosso está nos esperando. Quando a vontade é forte, as coisas se encaminham naturalmente para dar certo, mesmo que tenhamos que enfrentar dificuldades e contratempos. Não há como não sentir felicidade ao fazer aquilo que se gosta, ama e que realmente reflete quem você é. Portanto, siga em frente”, conclui.

 

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