Há poucas décadas, o acesso aos equipamentos de montanhismo era difícil e a prática não estava tão popularizada. Hoje a situação já é outra e, com a difusão pela internet, acesso fácil a equipamentos e conhecimentos, existem dezenas de milhares de montanhistas no Brasil, praticando todas as suas modalidades.
O cenário de escalada e caminhadas, com suas trilhas e montanhas, cresce a cada dia no Brasil, mas sofre com os desafios impostos pelos parques nacionais (e outros tipos de unidades de conservação), que muitas vezes fecham suas portas aos visitantes, alegando ser em nome da conservação.
Neste texto, traduzido e adaptado pelo de um texto de Nelson Brügger e Kika Bradford, da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (), publicado no site da Federação Internacional de Escalada e Montanhismo (), discutimos um pouco sobre o tema e propomos soluções para o problema.
Contexto histórico
O primeiro acesso fechado no Brasil remonta aos tempos coloniais, quando as autoridades portuguesas proibiram as tribos indígenas de usarem o Caminho do Peabirús (palavra Guarani que significa “grama pisada”). Esses caminhos vão desde o Atlântico até o Pacífico, onde estão hoje Brasil, Paraguai, Bolívia e Peru. O explorador espanhol Alvár Nuñes Cabeza de Vaca, em 1541 (também o primeiro a “descobrir” as Cataratas do Iguaçu, hoje Parque Nacional) foi o primeiro a escrever sobre essas trilhas.
A comunidade urbana brasileira voltou-se para a natureza para fins de lazer pelas influências europeias no século XIX. Essa mudança de paradigma é observada nas descrições de viagens de muitos naturalistas, assim como na família real que se desloca para o cume do Corcovado, onde atualmente fica a Estátua de Cristo, Redentor no Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro.
A história da escalada foi marcada por dois eventos simbólicos: a subida do Maciço do Marumbi no estado do Paraná, no sul do país, em 1879, e a ascensão icônica ao pico Dedo de Deus, no Estado do Rio de Janeiro, em 1912. Essas escaladas estimularam a criação de clubes de montanha – tendo sido o Centro Excursionista Brasileiro o pioneiro, em 1919.
Primeiro Parque Nacional
Devido à cultura, à economia, à falta de visão, entre outros fatores, o governo brasileiro só criou um Parque Nacional em 1937 – o Parque Nacional de Itatiaia. Embora naquela época alguns setores da elite urbana estivessem preocupados com a conservação, as condições prévias para essa criação vieram da recente industrialização e leis trabalhistas, que permitiram que a classe trabalhadora tivesse tempo livre, bem como a ressignificação da natureza.
Não foi coincidência que o Parque Nacional do Itatiaia estivesse quase equidistante dos três maiores centros urbanos da época, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro: a recreação nas montanhas era necessária para aumentar o apoio ao parque.
Os dias de hoje
Hoje, o Brasil tem 79 milhões de hectares de Áreas Protegidas (não incluiu terras de comunidades tradicionais), com diferentes graus de conservação e acesso a terras. A lei estabelece que os parques nacionais devem ser criados para a conservação, pesquisa, recreação, ecoturismo e educação ambiental. Uma vez que uma quantidade significativa de áreas de escalada e caminhadas no Brasil estão localizadas dentro de áreas protegidas, isso poderia ter proporcionado uma situação ideal. Mas a realidade que enfrentamos é um pouco diferente.
A maioria dos parques é o que chamamos de “parques de papel”, sendo legalmente criados, mas sem recursos ou infraestrutura. Vários parques têm apenas um empregado em tempo integral. Quase nenhum tem suas terras regularizadas (a lei brasileira afirma que os parques têm que ser 100% públicos) e as agências ambientais lutam para ter apoio financeiro.
Há parques com imensas áreas fechadas a visitação, como o Parque da Neblina, e muito mais restrições do que as que haviam no passado, o que gera um impedimento do uso público.
Parques fortaleza
Assim, existe uma cultura de gestão fortaleza no Brasil, em que os visitantes, como escaladores e montanhistas, são encarados como inimigos da conservação da natureza.
Alguns dos pilares que tornam esta gestão de fortaleza possível são:
Há muitos exemplos de restrições de acesso, desde o sistema de zoneamento estabelecido nos planos de manejo, negando acesso a 80-90% da área do parque, até mesmo alguns curiosos, como um museu de escalada em um parque onde a escalada é proibida e os observadores de aves sendo proibidos de usar binóculos.
Trilhas para caminhadas foram fechadas por mais de 25 anos no Parque Nacional do Itatiaia, sem qualquer motivo. Alguns biólogos extremos afirmam que o acesso ameaça a biodiversidade porque os visitantes trazem sementes de espécies exóticas em suas roupas. Costões rochosos de um metro de altura são muito perigosos e podem causar lesões. Gestores têm medo de serem processados se alguém morrer dentro do parque. Proteções fixas de escalada promovem muito impacto negativo e, portanto, devem ser proibidas. Caminhadas causam a poluição da água. Enfim, os exemplos são infinitos.
Trabalhando para a mudança
Tudo isso demonstra que o Brasil enfrenta muitos desafios no acesso à terra pública. No entanto, temos trabalhado ativamente para mudar isso.
No início dos anos 2000, Federações de Escalada e Montanhismo foram criadas em todo o Brasil, o que levou à criação da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME) em 2004. Este movimento de união mostrou-se um passo importante para obter mais credibilidade com as diferentes partes interessadas, discutir e capacitar escaladores e caminhantes de montanha.
A CBME está agora negociando com diferentes organizações a criação da aliança “Parques para Todos”, reunindo os diferentes intervenientes (organizações de turismo, observadores de pássaros, WWF, CI e outros) para lutar por melhores políticas de visitação.
Exemplos de como podemos aliar a visitação à conservação foram sempre a alma da comunidade de escalada e montanhismo. Na década de 1940, montanhistas levantaram os recursos e compraram um enorme pedaço de terra, que mais tarde foi doado para o Parque Nacional da Serra dos Órgãos.
Novamente na década de 1980, o ativismo ambiental de montanhistas interrompeu a destruição completa do Morro da Pedreira, declarando-a área protegida – o local é atualmente a área de escalada esportiva mais popular do país. A criação do Monumento Natural do Pão de Açúcar no Rio de Janeiro e do Monumento Natural da Pedra do Baú, em São Paulo, excelentes áreas de escalada, foram resultados de ações de montanhistas e escaladores.
Em 2013, caminhantes de montanha junto com a Federação de Esporte de Montanha do Estado do Rio de Janeiro iniciaram a implantação efetiva da , um percurso de longa distância (180 km) no coração da cidade do Rio de Janeiro. Esta trilha foi idealizada por Pedro da Cunha e Menezes, que é um forte defensor da visitação.
Em 2017, a CBME se juntou ao para criar uma trilha de 3000 km em toda a Serra do Mar, desde o Rio Grande do Sul até o Rio de Janeiro. Um dos principais produtos dessas trilhas de longa distância é o engajamento da sociedade civil, que tem a oportunidade de não só desfrutar do ar livre, mas também de se tornar guardiões do parque e das áreas naturais que visitam. A Trilha Transcarioca sozinha tem aproximadamente 1.000 voluntários ativos.
Nossas ações como comunidade, desde projetos locais de conservação ao lobby no Congresso, têm buscado lembrar que a visitação é um direito e ferramenta de conservação, promovendo e engajando a participação da sociedade civil no debate e trabalho pela conservação. Além disso, brasileiros e estrangeiros têm o direito constitucional e legal de visitar os parques, o que tem sido largamente ignorado.
E você? O que tem feito para ajudar a melhorar o movimento de escalada e caminhada no Brasil? Borandá?
Traduzido e adaptado de: